Catedrais Medievais
A catedral medieval nos faz sentir no seio da Jerusalém celeste
“Penetremos na catedral. A sublimidade das grandes linhas verticais atua logo de início sobre a alma.
“É impossível entrar na grande nave de Amiens sem se sentir purificado. Unicamente por sua beleza, ela age como um sacramento. Ali também encontramos um espelho do mundo.
“Assim como a planície, como a floresta, ela tem sua atmosfera, seu perfume, sua luz, seu claro-obscuro, suas sombras. [...]
“Mas é um mundo transfigurado, no qual a luz é mais brilhante que a da realidade, e no qual as sombras são mais misteriosas.
“Sentimo-nos no seio da Jerusalém celeste, da cidade futura. Saboreamos a paz profunda; o ruído da vida quebra-se nos muros do santuário e torna-se um rumor longínquo: eis aí a arca indestrutível, contra a qual as tempestades não prevalecerão.
“Nenhum lugar no mundo pôde comunicar aos homens um sentimento de segurança mais profundo.
“Isto que nós sentimos ainda hoje, quão mais vivamente o sentiram os homens da Idade Média! A catedral foi para eles a revelação total.
“Palavra, música, drama vivo dos Mistérios, drama imóvel das imagens, todas as artes ali se harmonizavam. Era algo além da arte, era a pura luz, antes que ela se tivesse diversificado em fachos múltiplos pelo prisma.
“O homem confinado numa classe social, numa profissão, disperso, esmagado pelo trabalho de todos os dias e pela vida, nela retomava o sentimento de unidade da sua natureza; ele ali encontrava o equilíbrio e a harmonia.
“A multidão, reunida para as grandes festas, sentia que ela era a própria unidade viva; ela tornava-se o corpo místico de Cristo, cuja alma se confundia com sua alma.
“Os fiéis eram a humanidade, a catedral era o mundo, o espírito de Deus pairava ao mesmo tempo sobre o homem e a criação. A palavra de São Paulo tornava-se uma realidade: vivia-se e movia-se em Deus.
“Eis o que sentia confusamente o homem da Idade Média, no belo dia de Natal ou de Páscoa, quando os ombros se tocavam, quando a cidade inteira lotava a imensa igreja.
“Símbolo de fé, a catedral foi também um símbolo de amor. Todos para ela trabalharam. O povo ofereceu o que tinha: seus braços robustos. Ele se atrelava aos carros, carregava as pedras nas costas, tinha a boa vontade do gigante São Cristóvão.
“O burguês deu seu dinheiro, o barão sua terra, o artista seu gênio. Durante mais de dois séculos, todas as forças vivas da França colaboraram: daí vem a vida possante que se irradia dessas obras.
“Até os mortos associavam-se aos vivos: a catedral era pavimentada de pedras tumulares; as gerações antigas, com as mãos juntas sobre suas lápides mortuárias, continuavam a rezar na velha igreja.
“Nela, o passado e o presente uniam-se num mesmo sentimento de amor. Ela era a consciência da cidade. [...]
“No século XIII, ricos e pobres têm as mesmas alegrias artísticas. Não há de um lado o povo e de outro uma classe de pretensos eruditos. A igreja é a casa de todos, a arte traduz o pensamento de todos. [...] A arte do século XIII exprime plenamente uma civilização, uma idade da História. A catedral pode substituir todos os livros.
“E não é somente o gênio da Cristandade, é o gênio da França que desabrocha aqui. Sem dúvida, as idéias que tomaram corpo nas catedrais não nos pertencem com exclusividade: elas são o patrimônio comum da Europa católica. Mas a França aqui se reconhece em sua paixão pelo universal. [...]
“Quando compreenderemos que, no domínio da arte, a França jamais fez algo de maior?”
(Fonte: Émile Mâle, L´Art religieux du XIIIe siècle en France, Le Livre de Poche, Paris, 1969, pp. 448 ss (primeira edição: 1898). Obra premiada pela Académie Française e pela Académie des Inscriptions et Belles-Lettres. Apud "Catolicismo").
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